Reflexões na quarentena

Depois de três anos longe de casa eu voltei.

 

E é estranho estar de volta.

 

É estranho notar que muita coisa não mudou.

 

Parece que tudo se encontra exatamente no lugar de antes.

 

E eu aqui no apartamento em que fui criado fico observando tudo.

 

Os detalhes que antes passavam despercebido pelos olhos, hoje me prendem a atenção.

 

Talvez seja efeito da quarentena. Efeito dessa sobra do tempo.

 

Ou talvez seja pelo apego sentimental ao lugar que cresci e que só agora depois de um longo tempo ausente vejo tudo com um novo filtro, com mais nitidez, mais significado.

 

Parece que cada objeto, cada canto, cada espaço tem uma história.

 

Ela está ali, embutida, e só quem a viveu sabe dela.

 

Antes morava eu, meu padrinho, minha madrinha e minha avó. Nesse meio tempo de minha ausência elas se foram. E o que noto é que esses pequenos detalhes revivem memórias e revivem a casa num certo ponto.

 

A quarentena enlouquece. Essa busca de aprender a conviver com o próprio eu não é tarefa fácil.

 

Tem dias ruins, dias horríveis, dias "ok" e dias bons.

 

Tem dias que gosto da minha companhia e tem dias que a detesto.

 

E a inconsistência dessa onda de emoções cansa.

 

O que não falta são cursos, projetos, idéias, livros, filmes. E o que falta também é tempo. Por incrível que pareça, se tem tanto tempo pra tudo e acaba sobrando tempo pra nada.

 

As vezes me pego sentindo falta de uma rotina intensa de trabalho onde eu usava com preciosidade meu tempo de folga, meu tempo de respiro era usado sabiamente, as coisas rendiam, faltava tempo e se fazia muito nas raras ocasiões em que se o tinha. Ainda lembro quando reclamava sobre a falta dele e a vida vem e dá essa rasteira.

 

Como se dissesse: “Olha aí o que tanto sonhou”

 

Hoje sobra e falta.

 

Muito tempo desperdiçado.

 

Acho que ninguém por agora conseguirá digerir suficientemente o que estamos passando e conseguir colocar em imagens ou em palavras o que tudo isso tem significado.

 

É bom tá de volta.

 

É bom esse retorno com um olhar diferente.

 

Mas o Brasil hoje tá no olho do furacão e no meio dessa tempestade tem tragédia, angustia, tristeza, caos e Jair Bolsonaro.

 

Espero sair mais forte e mais humano depois que tudo isso acabar.

 

Enquanto não acaba eu continuo prestando atenção aos detalhes. Atento a vida.

 

E tentando manter a lucidez mesmo sabendo que vira e mexe ela se esvai mas depois volta.

 

Sigo com esperança e sigo feliz.

 

Rodrigo Francisco

14/06/1991